O Governo de Minas Gerais é o único do país, no âmbito estadual, a incluir pessoas em situação de rua na construção das políticas públicas. Este modelo de gestão participativa, que dá voz à população beneficiada e, antes ignorada, foi adotado pelo Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Estadual da População em Situação de Rua, o Comitê PopRua, coordenado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac).
“O Distrito Federal possui política semelhante e, na esfera municipal, algumas capitais e cidades brasileiras têm programas que contam com a participação direta da população em situação de rua. Em termos de política estadual, Minas é o único estado”, afirma Samuel Rodrigues, que integra a coordenação do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR).
“Certamente teremos uma política mais sólida se a fizermos de forma participativa. Antes, o Governo do Estado de Minas Gerais nunca tinha assumido uma política para população de rua”, completa Rodrigues.
Ademilton Gonçalves é ex-morador de rua em Ipatinga, Território Vale do Aço, e está animado com sua participação no comitê. Ele conta que não chegou a conhecer o pai e, aos 12 anos, foi expulso de casa pela mãe, que era alcoólatra. Sem ter para onde ir, foi morar na rua e, em pouco tempo, começou a usar drogas. Durante 15 anos viveu embaixo de marquises e viadutos.
“Eu refiz minha vida. Conheci a Brenda, minha atual esposa. Agora estamos à espera do nascimento da nossa primeira filha e queremos ajudamos outras pessoas com trajetória de rua a serem felizes como nós” Ademilton Gonçalves, ex-morador de rua em Ipatinga.”
“Depois de ter acesso às políticas públicas, consegui alugar um barracão e fui contratado por uma empreiteira para trabalhar na duplicação de uma rodovia na região. Com a minha experiência, percebi que posso levar propostas aos governantes para ajudar quem ainda está na rua”, conta o ex-morador de rua.
E, com isso, as articulações do PopRua para o Vale do Aço já começaram. Uma das demandas de Ademilton, que é comum à realidade das ruas, foi levada por ele ao comitê e já é debatida.
“Quando eu dormia em albergue perdi muitas oportunidades porque as empresas não contratam quem não tem endereço fixo. Por isso, consideramos fundamental a criação de projetos estaduais que promovam a geração de empregos para quem ainda não tem uma moradia permanente”, defende Ademilton.
Os cinco membros que estão em situação de rua e participam do comitê são dos municípios de Montes Claros, Juiz de Fora, Uberlândia, Ipatinga e Belo Horizonte, os dois últimos abrangendo as regiões metropolitanas. Essas cidades foram escolhidas porque são mais populosas e referências regionais. Nelas, essa população costuma ser maior.
Atualmente, o PopRua está traçando estratégias para a captação de recursos necessários à consolidação das ações do Governo com o objetivo de formular a Plano Estadual para a População em Situação de Rua.
“Em abril, participamos de um edital do Governo Federal. Estamos aguardando o resultado e buscando outras fontes de financiamento e parcerias com todos os setores da sociedade”, afirma Tomaz Duarte Moreira, que coordena a iniciativa e é um dos representantes da Sedpac no Comitê PopRua.
A conscientização de quem está em situação de rua tem ajudado a mudar a trajetória de muitos. Foi o que aconteceu com Mathuzalem Maycon Araújo dos Santos, de 25 anos (Clique aqui para ouvir o depoimento de Mathuzalem).
“Fui expulso de casa aos 15 anos por ser gay e obrigado a morar nas ruas e em albergues, mas nunca usei drogas, Ao conhecer projetos e instituições que representam a causa, percebi que só teria voz se lutasse pelo que queria. Comecei a fazer parte de vários movimentos, como o MNPR e o LGBT e hoje tenho casa e emprego”, conta Mathuzalem.
Atualmente, Mathuzalem trabalha como redutor de danos em Centro de Referência em Saúde Mental, Álcool e Drogas (Cersam). Essa é uma das funções que muitas pessoas passam a exercer ao sair das ruas. Como grande parte já consumiu drogas, elas conhecem esse universo, o que facilita a troca de experiências e o acolhimento de moradores de rua em quadros de dependência química.
Gente como Ângelo Coutinho, de 47 anos. Ele conta que seu primeiro contato com as drogas aconteceu quando tinha apenas 11 anos e morava em São Paulo com a família. Expulso de casa aos 18 anos, Ângelo veio para Belo Horizonte (Ouça o depoimento de Ângelo).
“Eu me envolvi com o tráfico para sustentar o vício. Passei por nove clínicas, até que conheci uma instituição que me ensinou que para ter liberdade é preciso ter responsabilidade. Percebi que existe vida após o crack e consegui mudar minha história”, relembra Ângelo.
da Ascom/Social.MG