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Técnicos conhecem desafio de levar inclusão produtiva a quilombolas

João da Conceição Santos, 31 anos, nasceu e foi criado na comunidade quilombola Mangal Barro Vermelho, no município baiano de Sítio do Mato, na região de Bom Jesus da Lapa. O município está entre os mais pobres da Bahia. No quilombo, 146 famílias, 60% delas chefiadas por mulheres, vivem da lavoura de feijão, milho, mandioca e batata-doce e da criação de animais, como galinhas e bodes. A produção, quando não é totalmente consumida pelos moradores, depende de atravessadores para ser vendida nas cidades mais próximas.

Com renda média de R$ 400 mensais por família, a comunidade tem uma estrutura e organização acima da média de outras da Bahia, e por isso não foi selecionada para a chamada pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) Quilombola. João, que conseguiu se formar em Pedagogia da Terra, na Universidade Estadual da Bahia, levará sua experiência às comunidades do município de Campo Formoso, no mesmo estado.

Conhecedor da realidade quilombola, João diz que a maioria das comunidades baianas selecionadas para o projeto não tem suas terras demarcadas. As famílias de Campo Formoso sobrevivem da plantação de sisal, mandioca e frutas, como umbu e coco licuri. “Meu conhecimento e minha vivência me dão subsídios para entender a realidade deles, fazer um paralelo com a minha, e buscar uma solução para os problemas enfrentados pelas famílias”, explica.

Chuvas – Em Pernambuco, o projeto de Ater Quilombola chegará a 480 famílias em quatro comunidades do município de Bom Conselho, no agreste meridional do estado. No início dos trabalhos, o principal desafio será o acesso a duas das quatro comunidades: Isabel e Macacos, distantes 70 quilômetros da sede do município. “No período de chuvas, que começa em março, só se chega lá de carro de boi, o que vai exigir um planejamento diferenciado”, conta o coordenador de projetos do Instituto Vida de Pernambuco, André Vasconcelos.

Outra dificuldade, segundo ele, é a pouca informação sobre o cotidiano das famílias das comunidades mais afastadas. Os técnicos pernambucanos sabem que os quilombolas de Isabel e Macacos vivem, basicamente, da produção de milho, feijão e mandioca, além da criação de galinhas caipiras e alguns caprinos e bovinos, porém não sabem qual a renda média dos moradores, nem o nível de instrução das pessoas. Para o diagnóstico, a entidade contará com a experiência de dois técnicos, moradores da comunidade de Angico, que também será atendida pela Ater Quilombola.

Aposta – Um deles é Arnaldo Pinto, 27 anos, que se sente muito seguro para prestar a assistência técnica rural aos outros moradores. “Em Angico, há uma associação das mulheres e elas estão se organizando para fazer artesanato, doces e bolos. Vamos trabalhar para tentar encaixar isso no projeto produtivo”, promete.

Outro técnico que irá percorrer as comunidades pernambucanas é Fabrício Leite, que também nasceu e mora em Angico. Ele aposta que a Ater dará às famílias um conhecimento técnico sobre o que elas já fazem no cotidiano. “A vivência deles sobre a criação de pequenos animais, por exemplo, e a nossa assistência vão melhorar o desenvolvimento das famílias.”

O trabalho de campo dos 65 técnicos nas 39 comunidades quilombolas de quatro estados para levar Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) não será fácil. Ao todo, o diagnóstico e a elaboração dos projetos produtivos levarão entre 15 e 18 meses de convivência diária com as famílias. Uma experiência que poderá ser facilitada ou prejudicada, a depender do grau de organização das comunidades, do tipo de produção, da infraestrutura e, principalmente, da experiência dos técnicos com a realidade quilombola.

Dedicação – “É o tipo de trabalho que exige dedicação e entrega. Não pode ser encarado apenas como uma vaga de emprego, caso contrário a pessoa desiste antes do fim do projeto”, resume o coordenador de Ater para comunidades quilombolas da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Samuel Leite. Uma das funções da capacitação, promovida nesta semana, em Salvador, é justamente conscientizar os profissionais sobre alguns problemas que poderão surgir.

A principal dificuldade prática em muitas comunidades, explica Samuel, será marcada pela própria geografia. Em alguns casos, a comunidade fica distante até 100 quilômetros da sede do município a que pertence. “Nem sempre será possível ir e voltar no mesmo dia. O técnico pode precisar dormir na comunidade e isso significa conviver com a falta de infraestrutura e com todas as dificuldades que as famílias enfrentam diariamente”, conta. É o caso, por exemplo, das comunidades de Isabel e Macacos, em Pernambuco.

Ciente do desafio que enfrentará nos próximos meses em Campo Formoso, João Santos acredita que a atitude dos técnicos será fundamental para o sucesso do projeto. “Nosso papel é trocar experiências, construir uma política diferenciada e tentar tirar essas famílias da situação de extrema pobreza. Esta é a função da gente, do governo, do Estado: fazer com que as pessoas tenham autonomia, condições e capacidade de buscar outros meios para sobreviver e mudar de vez a sua realidade.”

Curso
– A capacitação para técnicos rurais que vão trabalhar com mais de 4 mil famílias quilombolas em seis estados começou na última segunda-feira (16), em Salvador, e integra as iniciativas do governo federal para os povos tradicionais. O treinamento segue até sábado (21), na sede da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA). Após o curso, os técnicos entram em campo para promover a inclusão das famílias no Brasil Sem Miséria – plano interministerial para erradicação da pobreza extrema. Fruto da parceria dos ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a ação firma o compromisso de levar cidadania a comunidades quilombolas em situação de vulnerabilidade social.

Levantamento da Fundação Cultural Palmares identificou 3.524 comunidades quilombolas no Brasil. Dessas, cerca de 1,8 mil foram certificadas e somente 190 possuem a titulação de posse definitiva das terras que ocupam.

Fonte: Ascom /MDS

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