O Fórum Nacional de Secretários/as de Estado de Assistência Social – Fonseas, entidade que representa os estados e o Distrito Federal nas instâncias do Sistema Único de Assistência Social, vem a público manifestar preocupação com a implementação de alterações no Cadastro Único e no Programa Bolsa Família, bem como reafirmar a disposição ao diálogo com o governo federal, para restabelecer as pactuações que fortaleçam as políticas sociais, especialmente diante do contexto de grave crise.
A pandemia de Covid19 tem explicitado, ainda mais, a realidade de desproteção e de desigualdade no Brasil, o que demanda políticas sociais permanentes que garantam serviços essenciais, como a segurança de renda, integrada às demais seguranças sociais. Nesse sentido, o FONSEAS recebeu com apreensão as notícias de alterações no CadÚnico e alerta quanto aos evidentes riscos, sobretudo para a população mais vulnerável.
O Ministério da Cidadania pretende realizar o cadastramento de beneficiários de programas sociais através de aplicativo para celular. Essa mudança prejudica uma parcela significativa da população, que não possui smartphone e acesso à internet, além de reduzir as possibilidades de orientação de entrevistadores sociais e demais trabalhadores sociais, de identificação das vulnerabilidades, elaboração de políticas públicas e de inserção em serviços.
A experiência do Auxílio Emergencial para o público da Assistência Social não foi positiva, tendo em vista as vulnerabilidades sociais. Foram várias as barreiras, dentre elas tecnológicas, encontradas pela população mais pobre e inserida nos serviços socioassistenciais. Milhões de pessoas e famílias não acessaram este direito, embora se caracterizassem como público prioritário. Importante reforçar, que os gestores estaduais e municipais pautaram diversas vezes tais dificuldades, solicitando integração, reproduzindo, inclusive, relato de profissionais que tiveram que comprar chips com recursos próprios para viabilizar acessos.
Desde 2001, e especialmente após a implantação do Bolsa Família, foram empreendidos muitos esforços para qualificação continuada da rede de cadastramento e atendimento na Assistência Social, por meio de investimentos e capacitações realizadas pelas três esferas de governo. Desconsiderar o histórico de aprimoramento e de gestão integrada, especialmente pelos resultados positivos repercutidos internacionalmente, expressa o descumprimento dos princípios da administração pública e afeta o erário público.
As mudanças no programa Bolsa Família e no CadÚnico precisam ser avaliadas e construídas de modo colaborativo nas instâncias do SUAS, com participação dos gestores e dos coordenadores. Muitos programas estaduais estão planejados, inclusive nos Plano Plurianuais e Setoriais, em acordos internacionais, considerando as bases de dados e critérios do CadÚnico, uma importante ferramenta de gestão pública e acesso a direitos. Com o desenvolvimento da Cadastramento via CadÚnico, muitas populações excluídas do acesso aos direitos foram alcançadas e passaram a usufruir de direitos básicos de cidadania, como as comunidades tradicionais e os povos indígenas.
Mas o que preocupa, sobremaneira, é o encaminhamento, sem qualquer diálogo, de mudanças durante uma das maiores crises da história, no momento em que a população requer mais proteção do Estado e não pode ficar suscetível às alterações que afastam gestores e trabalhadores da população, que desconsidera a realidade vivida pelos usuários dos benefícios e dos serviços socioassistenciais.
O Fonseas tem manifestado, de forma reiterada, preocupação com as ações realizadas pelo Governo Federal e implementadas sem diálogo com estados e municípios, sem considerar o acúmulo dos gestores do Cadastro Único, do Bolsa Família e do Sistema Único de Assistência Social. Tem alertado quanto aos riscos para a população que encontrará dificuldades no acesso aos seus direitos, especialmente ao Bolsa Família. Do mesmo modo tem apontado a importância da manutenção dos patamares do Auxílio Emergencial, com utilização das ferramentas e procedimentos de gestão do Cadastro Único e do Bolsa Família, o que implica anteder mais de 30 milhões de famílias.
As ameaças de alteração no Bolsa Família são injustificáveis, do ponto de vista da administração pública. Desconsiderar impactos positivos do PBF, como redução da mortalidade infantil, justamente pelo desenho do programa, é um retorno injustificável ao passado, em termos de políticas públicas estatais. O Brasil caiu posições no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU e passou da 79ª para a 84ª posição, entre 189 países avaliados. É, ainda, o 6º entre os países da América do Sul, ficando atrás de Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia. Além disso, relatório da Nações Unidas (2018) apontam que o Brasil está entre os 7 países mais desiguais. Realidade que tende a se agravar, considerando os efeitos da pandemia de Covid19.
A “bancarização e financeirzação” do acesso a um benefício destinado a população em extrema pobreza e pobreza não se justifica, especialmente pela cobrança de taxas, tendo em vista seu valor e o conceito de direito social. É fundamental manter o papel do entrevistador e do cadastro nos Centros de Referência de Assistência Social, para acesso aos serviços e benefícios socioassistenciais, assim como para demais programas e políticas sociais.
Dispositivos como comprovação de pobreza; prova de vida e reconhecimento facial, não contribuem para o aprimoramento do programa. Ao contrário, resgatam mecanismos vexatórios, estabelece um clima de desconfiança na relação federativa, quando existem mecanismos de controle público e de responsabilização.
É preciso considerar o perfil da população usuária da Assistência Social, seus vínculos com a rede de serviços, especialmente no âmbito dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, a rede de serviços para acesso a benefícios, serviços e programas. A relação direta com o ambiente virtual sem mediações de equipes, deverá resultar em exclusões do acesso aos direitos.
As mudanças impostas no CadÚnico e no Bolsa Família estão sendo produzidas num contexto de desfinanciamento da política de Assistência Social, de crise institucional quanto ao respeito às instâncias e mecanismos de governança democrática das políticas públicas. Nesse sentido, é fundamental que outros atores, como o legislativo federal, busquem reverter as medidas em curso, visando a manutenção do CadÚnico, do Programa Bolsa Família, do SUAS, para garantir a proteção social à população brasileira, em resposta à reação e reivindicação de diversas organizações representativas dos municípios e da Assistência Social.
Brasília, DF, 28 de janeiro de 2021
Fórum de Secretários/as de Estado de Assistência Social