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Criança Feliz: acompanhamento faz diferença para a vida toda

Mudar a realidade de milhares de crianças de baixa renda. Esse é o objetivo do Programa Criança Feliz, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). A iniciativa vai promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 3 anos beneficiárias do Bolsa Família e as de até 6 anos que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Com ações nas áreas de saúde, assistência social, educação, justiça e cultura, o programa orientará as famílias sobre a melhor maneira de estimular os filhos. A iniciativa tem como ponto central a visitação domiciliar. A expectativa do governo federal é de atender quatro milhões de crianças até 2018.

O Criança Feliz segue o que a ciência vem apontando: crianças bem estimuladas crescem mais preparadas para a escola, são adultos menos violentos e com mais chances de vencer a pobreza.

Médico epidemiologista e cientista brasileiro, Cesar Victora vai integrar a equipe do MDS responsável por avaliar e monitorar o programa até 2020. O pesquisador participou do consórcio internacional de cientistas que acompanhou o desenvolvimento de 11 mil pessoas – da concepção até a vida adulta. O resultado da pesquisa se tornou base do Criança Feliz. Revela, por exemplo, que é nos primeiros mil dias de vida que o ser humano desenvolve a maior parte de suas competências fundamentais.

O monitoramento do Criança Feliz vai detectar muito cedo qualquer falha de capacitação dos multiplicadores, supervisores e visitadores ou das intervenções que as crianças e a famílias estão recebendo. Com essas avaliações, será possível melhorar o atendimento das famílias beneficiárias do programa. Segundo Victora, a preocupação do governo federal – de fundamentar as ações em conhecimentos científicos – garantirá o sucesso do programa.

Confira, a seguir, a entrevista com o cientista.

Como vai funcionar o processo de acompanhamento dos resultados do Criança Feliz?

Cesar Victora – Escolhemos 30 municípios em seis Estados do Brasil. Nessas cidades, nós vamos dividir um grupo de crianças que recebe a intervenção, as visitas do Programa Criança Feliz, e um grupo de crianças muito similares, em todos os aspectos, mas que não serão beneficiárias do programa. Essas outras crianças não serão beneficiárias por causa da capacidade instalada de cada município, ou seja, será acompanhado um determinado número de crianças e não necessariamente todas as crianças do município.

Por que é importante acompanhar os resultados desde o início do programa?

Victora – Temos uma oportunidade única de conseguir avaliar um programa desde o início, ou seja, nós vamos começar a avaliação antes do programa ser implementado. É uma oportunidade única de começar agora, no ano de 2017, uma avaliação que vai se estender por três anos. Até 2020, acompanharemos as crianças menores de um ano que recebem o programa para medir o impacto sobre o seu desenvolvimento intelectual ao final desse período de três anos.

O que os estudos conduzidos pelo senhor na Universidade de Pelotas demonstraram sobre o desenvolvimento humano nos primeiros mil dias de vida?

Victora – O estudo mais antigo começou no ano de 1982 com seis mil crianças que nasceram em Pelotas até hoje. Nós seguimos acompanhando quatro mil dessas seis mil. É um dos maiores estudos do mundo. Observamos que o que acontece durante a gestação e os dois primeiros anos de vida, os mil dias – soma  desse período que inicia quando é concebido o embrião até o segundo aniversário –, determina, em primeiro lugar, o tamanho da criança, a sua capacidade física, se ela vai ser um adulto forte, bem desenvolvido. Em segundo, determina o desenvolvimento cerebral e intelectual dessa criança. O cérebro cresce, principalmente, até os dois anos de vida, mais ou menos 70% do tamanho do cérebro de um adulto. Então, a criança, que tem condições adequadas de crescimento, nutrição, cuidado e estimulação até os dois anos de vida, será um adulto mais produtivo e mais inteligente.

Estimular a criança nos primeiros mil dias de vida também pode prevenir doenças na fase adulta?

Victora – Nós temos o terceiro aspecto: muitas doenças crônicas, como a hipertensão, o diabete, alguns tipos de câncer e as doenças cardíacas, são determinadas, em parte, pelo desenvolvimento dos órgãos da criança nesse período crítico também dos primeiros mil dias. Temos, por exemplo, mais diabetes em criança que nasceu com peso baixo e que não cresceu adequadamente. Existem outras doenças que vão aparecer lá aos 40, 50, 60 anos de idade, mas que começaram a ser determinadas já nos primeiros dois anos de vida.

A estimulação intelectual das crianças era um aspecto pouco conhecido no Brasil, onde se fala muito dos cuidados de alimentação, do cuidado do pré-natal e da saúde física. O que essa mudança de paradigma  pode provocar para o desenvolvimento social?

Victora – Durante muitos e muitos anos, desde o início da colonização, o Brasil era um país com alta mortalidade infantil e muita ocorrência de doença infecciosas, como diarreias, pneumonias, sarampo, meningite, tuberculose. Havia muita subnutrição; as crianças não cresciam adequadamente. Por muito tempo, as nossas pesquisas, os nossos interesses eram, principalmente, como reduzir a mortalidade, como melhorar o estado nutricional. A pesquisa era realmente restrita à parte física. Hoje nós tivemos uma enorme mudança no Brasil. A mortalidade infantil é relativamente baixa, caiu muito. A subnutrição já foi praticamente erradicada na maior parte do país. Nós passamos agora a nos preocupar com o que a gente chama de capital humano, que é a inteligência, a produtividade, o desempenho intelectual de um adulto. Também descobrimos que esse capital também é influenciado a partir dos primeiros mil dias.

Programas como o Criança Feliz podem ajudar nessa mudança de pensamento da sociedade?

Victora – Programas como o Criança Feliz são extremamente importantes no sentido de cuidar não só do lado físico, mas também do lado intelectual. A estimulação neste período é o que a gente chama de uma janela de oportunidade. É um período crítico para o desenvolvimento da capacidade intelectual da criança. Se a criança for estimulada adequadamente pelos pais e pelos cuidadores, ela vai ter um QI mais alto. Isso está mais do que provado. Temos estudos, mesmo nas nossas pesquisas, mostrando a importância da estimulação precoce para o QI da criança e, portanto, para o QI do adulto, uma vez que o QI se desenvolve na infância e continua na idade adulta dentro, mais ou menos, do mesmo parâmetro.

Como deve ser o acompanhamento do programa até o ano de 2020?

Victora – Começaremos agora em 2017 com o estudo do que a gente chama de linha de base. Pegamos as crianças menores de um ano. Vamos medir o desenvolvimento dessa criança, documentar a sua saúde e, a partir dessa medida inicial, ela vai receber as visitas do Programa Criança Feliz. Uma vez por ano, visitaremos essas crianças. Mediremos como está o progresso das crianças que recebem e das que não têm intervenção das visitas do programa. Também avaliaremos a qualidade da interação das mães, dos cuidadores e dos pais com a criança. Isso é para documentar que o programa não apenas melhora a qualidade da interação, mas também melhora o desenvolvimento intelectual da criança. Um observador vai documentar se a visita domiciliar está efetivamente sendo adequada e correspondendo ao que é preconizado pelo programa.

 

da Ascom/MDS