O juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro, disse hoje (22) que ao fundamentar uma pena em casos de corrupção sistêmica ou generalizada, usará palavras duras, porque essa corrupção vem sendo considerada crime contra a humanidade, “até comparado a genocídio, que é matar em grande escala pessoas que dependem do Estado”.
Ao falar na Fundação Getulio Vargas, na capital fluminense, para estudantes de direito, Bretas explicou que existe um contrato ou pacto social, pelo qual o Estado se compromete a garantir uma quantidade “enorme” de direitos. “E de repente, alguém que recebe o mandato por milhões de pessoas coloca em risco o nosso sistema político de representatividade”. Ressaltou que embora muitas pessoas afirmem não gostar de política, é necessário que todos estejam sempre atentos e atuantes para que haja desestímulo a esse tipo de comportamento.
O juiz, que é o responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro, acredita que todos os fatos que estão ocorrendo no país contribuirão para tornar a população mais preocupada em escolher pessoas melhor capacitadas. “Ano que vem, teremos uma boa oportunidade de começar a reescrever a história”, sugeriu, completando que esse será um momento de a sociedade demonstrar sua insatisfação.
Genocídio
Marcelo Bretas disse que a corrupção sistêmica pode ser comparada a genocídio, esse tema já está sendo discutido no Conselho de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU) desde a semana passada, em Genebra, Suíça, visando alterar competência do Tribunal Penal Internacional e tornar a corrupção um crime contra a humanidade. “A gente não está falando de pouca coisa, não”. O assunto não interessa apenas ao Brasil, observou.
O juiz mencionou a morosidade e o tempo para execução da pena como dois problemas da Justiça. O processo eletrônico vem ajudando a mudar esse cenário. O primeiro processo que recebeu de Curitiba, dentro da Operação Lava Jato, tinha 160 mil folhas. Se isso tivesse sido em papel, representaria risco de impunidade, comentou. Falou também da contrariedade que sentiu quando percebeu que algumas pessoas estavam “festejando” o fato de o processo ter vindo para o Rio de Janeiro, onde entendiam que ele seria ”empurrado e nada vai acontecer”. Explicou que talvez seja um pouco cedo para comemorar. “Não somos pior nem melhor que ninguém, mas eu certamente não compactuo com nenhum tipo de irregularidade”.
Bretas defendeu a prisão em segunda instância, que considera um golpe muito duro contra a impunidade. Acrescentou que a confirmação da pena pode ser dada por um grupo de juízes com maior experiência, para que ela comece a ser executada. O ordenamento jurídico brasileiro já determina isso, lembrou.
Provas
Bretas contou que quem está “muito contente” com a Lava Jato no Rio é o gerente da Caixa Econômica Federal localizada no prédio da Justiça, que “nunca imaginou que teria tanto dinheiro no banco. E não para de entrar”. Informou que esta semana vão entrar na Caixa mais de R$ 10,6 milhões. “E semana que vem vai ter mais”.
Afirmou que as pessoas estão avaliando que vale a pena resgatar o passado, parar de viver com medo, acertar a vida e poder dormir em paz. Essas mudanças que o país está vivendo são ferramentas importantes, segundo o juiz, sustentando que não é por acaso que “querem mexer” na Lava Jato. Enfatizou, contudo, que as provas são muito boas. “É batom no colarinho. São provas muito claras”. A vida dos advogados está realmente difícil, comentou.
Completou que o desenvolvimento da tecnologia dá hoje tranquilidade grande aos juízes para decidir. Segundo ele, o país está caminhando para um quadro em que as regras ‘compliance’ (estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos) estão se difundindo. Ele espera que se o Judiciário ainda não atingiu o ápice, “nós vamos desenvolver regras de ‘compliance’ dentro do Judiciário. Eu não acredito em uma Justiça de uma ação entre amigos”.
Esse comportamento não acabou, “está devidamente recolhido porque, no momento, está na moda combater a corrupção. Até um corrupto vai dizer que é contra a corrupção”. O juiz disse que ninguém tem coragem de vir a público abertamente e defender a corrupção. Os juízes têm que ser não apenas justos, mas transparentes, e mostrar que estão sendo justos. “Não pode haver dúvida sobre a minha imparcialidade”. Se a sentença não for imparcial, não vale como decisão judicial. “Desconfiem sempre”, recomendou aos estudantes de direito, “porque, sem isenção, não é decisão judicial. É outra coisa”.
Isso ocorria no passado mas, agora, os tempos mudaram, garantiu. Não deve existir nenhum tipo de código de honra entre pessoas que estão no crime, porque isso leva à traição, disse Bretas.
Delação
Em relação à colaboração premiada, admitiu que pode ter defeitos, mas acrescentou que esses podem ser corrigidos. O delator que mente na colaboração paga o preço da mentira. ”Se o sujeito errou, quem vai pagar o preço de ser espertinho é ele, porque a lei é clara”. Aquele que mente perde as garantias. Por isso, adiantou que “não vale ser engraçadinho nessa hora”.
Ressaltou que nenhum juiz correto tem prazer em prender alguém. “Tem prazer em cumprir a lei”. Bretas defendeu ainda que acordos de leniência não devem ser feitos sem a participação do Ministério Público. O mesmo deve ocorrer em relação à delação premiada.
da Agência Brasil