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Pessoas em situação de rua gravam álbum no estúdio do Ilê Aiyê

Se engana quem pensa que morar na rua é um impedimento para o despertar da criatividade humana. Muito pelo contrário. Prova disso são as pessoas em situação de rua assistidas pelo Programa Corra pro Abraço, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), que realizam neste mês de abril um grande sonho: a gravação de um álbum com canções compostas por elas. São letras sobre os desafios enfrentados nas ruas pela “maloca”, mas, sobretudo, sobre como mesmo com a invisibilidade imposta pela sociedade, conseguem driblar as adversidades e sobreviver no “mundão”.

Os 20 – agora – artistas, que se dividem nas tarefas de percussionistas e cantores, estão gravando nesta primeira quinzena do mês no estúdio do Bloco Afro Ilê Aiyê, que, por meio de um diálogo com as Superintendências de Políticas sobre Drogas e Acolhimento à Gupos Vulneráveis (Suprad) e de Direitos Humanos (Sudh) da SJDHDS, topou entrar na parceria para registrar através da arte da música, as realidades e cotidianos destas pessoas. “O estúdio é de qualidade internacional. Vai ficar muito bom o CD que terá oito faixas, sendo algumas de composição coletiva e outras exclusivas”, adianta Trícia Calmon, Coordenadora Geral do Corra pro Abraço. Uma das faixas será preenchida pelos jovens assistidos pelo programa em Itinga, em Lauro de Freitas, que também compuseram uma canção considerada o hino do grupo em 2017, primeiro ano de atividades. A juventude é um dos públicos acompanhados pelo Corra em Salvador e Lauro de Freitas, além das pessoas em situação de rua e das encaminhados das audiências de custódia.

Entre as faixas escolhidas estão: “Maloqueiro Não”, “Correria”, “Sou a rua”, “Um gesto de amor”, “Meio da rua”, “Canto a vida”, “Tributo a Salvador”, e uma ainda a ser definida. “A possibilidade do registro é fantástica, porque as falas dos assistidos nos mostram como eles tomam consciência de que não precisam aceitar serem rotulados como usuários de drogas ou sofrerem com estigmas e coisas correlatas. Essa ação é também uma estratégia de redução de danos.  Eles e elas aprendem coisas novas, utilizam o tempo para coisas produtivas, revelam talentos e reafirmam para a gente o quanto vale a pena fazer um trabalho desse e investir”, pontua Trícia.

“As emoções estão à flor da pele. A galera está super encantada com tudo! Com o estúdio, com o metrônomo, com o fone que coloca no ouvido e consegue ouvir a pessoa na outra sala, que tem um vidro que impossibilita a passagem de som. De se ouvir depois de ter gravado e dizer ‘rapaz, parece até o som do Olodum, do Ilê Aiyê’. Muito massa! A galera está amando o momento, com bastante paciência que é necessário”, conta Dainho Xequerê, músico e arte-educador do Corra pro Abraço responsável pelo apoio na organização do álbum com os assistidos.

Para Lidineia de Oliveira, de 36 anos, a experiência está sendo inexplicável. “Nunca imaginei gravar um CD em um estúdio. Músicas que contam a realidade da maloca, da favela mesmo, da galera da rua. Uma mistura! Que esse álbum alcance e mude a vida da galera. Que chegue nos ‘grandão’  também né, que sabem que a gente vive na rua e precisa ter visibilidade e quer vencer”, disse a vendedora de picolé que está no grupo da percussão. Néia, como é conhecida, está sendo acompanhada pelo Corra pro Abraço há sete meses. “Fiquei na rua alguns meses, mas agora Deus mandou o Corra. Minha vida melhorou. Não estou ficando mais na rua. Tô com a cabeça sempre ocupada”, revela a assistida que está morando com uma tia e também é acompanhada por um Centro de Atendimento Psicossocial (Caps).

Para Cledisson Braga dos Santos, 42 anos, acompanhado pelo Corra pro Abraço há quatro anos, compositor de uma das canções do CD, essa é uma oportunidade também de contar a ação feita no programa. “A existência de vocês para nós, o desenvolvimento que vocês tão fazendo a gente ter aqui. Nem todos os projetos tem isso que aqui tem e o respeito que temos aqui com vocês. Foi por isso que escrevi ‘chegamos para somar, multiplicar, não diminuir. No meio da rua, a nossa história. Não diga que não tem nada a perder, porque existe um dom dentro de você’ ”. Com apoio da iniciativa, ele já conseguiu auxílio aluguel e, também, voltar aos estudos, por meio de parceria do Corra com a Secretaria Municipal de Educação. “Agora a tendência é melhorar. Voltei a estudar. Estou na sexta série. Está sendo bom, às vezes tenho alguns empecilhos, mas tenho que persistir”, conta o compositor.

A intenção do Corra pro Abraço é lançar o álbum no segundo semestre deste ano, juntamente com um livro sobre as práticas estratégias de redução de danos utilizadas pelo programa em três cidades: Salvador, Lauro de Freitas e Feira de Santana. A iniciativa tem como objetivo promover cidadania e garantir direitos de pessoas que fazem uso abusivo de drogas em contextos de vulnerabilidade, ou afetadas por problemas relacionados a criminalização das drogas, baseado nas estratégias de Redução de Danos físicas e sociais, aproximando seus beneficiários das políticas públicas existentes uma vez que o estigma e as desigualdades interferem em suas capacidades de busca, acesso e acolhimento pelos serviços público.

Ascom – Corra pro Abraço